quarta-feira, 10 de agosto de 2022

São Paulo protege melhor Unidades de Conservação na Mata Atlântica do que no Cerrado

por Karol Domingues

Nem todo mundo sabe, mas no estado de São Paulo encontram-se áreas de dois grandes biomas brasileiros: Mata Atlântica e Cerrado, ambos considerados hotspots globais de biodiversidade. Apesar disso, a proteção a um deles deixa a desejar. Essa é uma das conclusões do estudo de Alexandre Bomfim Gurgel do Carmo, da Universidade Federal de São Carlos, que ficou em primeiro lugar na categoria Jovem da 4a Edição do Prêmio MapBiomas. Usando o mapeamento das mudanças de uso da terra feitas com sensoriamento remoto pelo MapBiomas, ele descobriu que as Unidades de Conservação na Mata Atlântica têm um entorno mais protegido que as do Cerrado.

Para chegar a essa conclusão, Alexandre usou uma abordagem inovadora: ele analisou as condições das Zonas de Amortecimento (ZA) em torno das Unidades de Conservação (UC). Uma ZA é a área, ao redor da UC, em que o uso e ocupação do solo podem sofrer influências e restrições para proteger e aumentar a conservação das UCs. O objetivo é diminuir ou impedir impactos gerados pela ocupação humana fora das UCs, tais como, fogo, invasão de espécies exóticas, erosão, poluição sonora e construção de empreendimentos, entre outros. Para determinar o estado de conservação dessas zonas, Alexandre avaliou a porcentagem de cobertura de vegetação nativa delas entre 1988 e 2018, classificando-as em Alta Conservação (cobertura de vegetação nativa superior a 40%), Média Conservação (entre 20% e 40%) e Baixa Conservação (menos de 20%).

O estado de São Paulo tem 86 UCs com ZAs terrestres. Juntas, elas cobrem 5.479.916 hectares, ou 22,09% do território paulista. Em 2018, 33 ZAs de UCs em São Paulo tinham Alta Conservação; 18 delas, Média Conservação; e 34 tinham Baixa Conservação. Entre 1988 e 2018, o número de UCs com ZAs com alta conservação variou de 34 para 33; as de média conservação aumentaram em 4 unidades e as de baixa conservação perderam 3 unidades. A análise mostrou ainda que independente do ano, as unidades com Alta Conservação se encontram todas ao leste do estado de São Paulo, na Mata Atlântica, evidenciando um déficit na conservação do bioma Cerrado. Segundo o relatório, a numerosa fragmentação do Cerrado transformou-o em manchas rodeadas por pasto e agricultura, ameaçando a existência deste bioma.

“Os resultados deste trabalho podem auxiliar nas tomadas de decisões e em políticas públicas que envolvam o plano de manejo das ZAs das UCs do Estado de São Paulo. É importante que o manejo das ZAs seja feito de forma a buscar o equilíbrio entre o avanço socioeconômico, prezando pela conectividade dos fragmentos de vegetação nativa, promovendo a dispersão de biodiversidade entre fragmentos e garantindo a efetiva conservação e proteção das UCs”, explicou Alexandre.

A situação das ZAs reflete as condições desiguais de cobertura de vegetação nativa verificadas nas distintas regiões do estado de São Paulo. A região do oeste paulista é apontada por diversos estudos como a área com menor cobertura de vegetação nativa no estado. Embora as unidades com baixa conservação se encontrem por todo o estado, não possuindo uma região específica, todas as ZAs das UCs do oeste do estado se apresentam em situação de baixa conservação, ou seja, com cobertura de vegetação nativa inferior a 20%.

Segundo o estudo, os maiores impactos à vegetação nativa foram o avanço do pasto e da agricultura. De 1988 a 1998 o pasto se mostrou com maior influência; de 1998 para 2008 e de 2008 para 2018 foi a agricultura que se mostrou com maior influência. Isso ajuda a entender a alta conservação das ZAs de UCs no leste de São Paulo, na região da Serra do Mar, cuja topografia não favorece a atividade agropecuária. O relatório afirma que esta constatação corrobora o indicado em diversos estudos que apontam a expansão da agropecuária como o principal indutor de desmatamento das florestas tropicais no planeta. Ao todo, as ZAs tiveram uma diminuição de mais de 38 mil hectares de vegetação nativa no período analisado.

O estudo constatou também que 33,87% (ou 21) das 62 ZAs de UCs de proteção integral e 52,17% (12) das 23 ZAs de UCs de uso sustentável apresentavam alta conservação em 2018. Outros 43,54% das ZAs de UCs de proteção integral e 30,43% das ZAs de UCs de uso sustentável foram classificadas como de baixa conservação em 2018. Estes resultados sugerem melhor desempenho das ZAs de UCs de uso sustentável, na comparação com as ZAs de UCs de proteção integral.

A Mata Atlântica ocupa 67% da área do Estado de São Paulo e se apresenta hoje com 32,6% de vegetação nativa, ou 5,4 milhões de hectares. O Cerrado, por sua vez, ocupa 33% do território paulista, mas tem apenas 3% de sua área recoberta por vegetação nativa, ou 239 mil hectares. Segundo dados do MapBiomas (2020), a cobertura de vegetação nativa do estado variou de 21,87% em 1988 para 22,48% em 2020.

Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa. O Prêmio MapBiomas, realizado em parceria com o Instituto Ciência, visa estimular e valorizar trabalhos que utilizem dados de qualquer iniciativa do MapBiomas.

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